Ninguém o esperava. Na costa norte de Sagittaria, onde o sol queima a pele e o vento traz sussurros do fundo do mar, uma embarcação sem velas surgia entre as neblinas. Não havia tripulação, nem bandeira. Apenas ele, Jean.
O arcano de gelo. O andarilho que nunca envia aviso, e nunca diz adeus. Dizem que ele procurava lugares que não querem ser encontrados. E naquela noite, seu destino era uma ilha que só existe quando o mar desiste de esconder.
Alvarin. O nome ainda ecoava nas pedras molhadas. Uma ruína de uma ordem esquecida, submersa pela própria arrogância. E no coração dela — a biblioteca de águas vivas. Jean entrou. Não com feitiços mas, com silêncio.
As algas se afastavam em respeito. Os degraus gelavam à sua passagem, como se reconhecessem a natureza que ele mesmo não celebrava.
No centro da câmara submersa, onde o teto já havia desabado há séculos, um conjunto de pilares ainda se erguia ao redor de uma mesa circular feita de coral petrificado. Lá, havia um único livro.
Ele não tocou. A água ao redor começou a se agitar. Então, uma voz, profunda e metálica, surgiu da escuridão:
“Você sabe o que acontece com os que leem sem permissão?”
Jean não se moveu.
Nem olhou ao redor.
— Sei o que acontece com os que vivem sem saber o que foi esquecido — disse ele, com a voz baixa como uma rachadura no gelo.
A água tremeu.
Do teto partido, uma figura feita de correntezas e sombras desceu, moldando-se como um rosto flutuante.
Sem forma estável.
Sem intenção clara.
“Você não tem perguntas. Por que veio?”
Jean ergueu os olhos pela primeira vez.
— Porque as perguntas mudam. As verdades, não.
Ele então estendeu a mão sobre o livro, mas não o abriu. A figura rodopiou ao redor de si, formando correntes gélidas e bolhas presas em espirais.
“Não quer saber?”
Jean fechou os olhos.
— Saber… é uma maldição que prefiro escolher e não implorar.
O livro se abriu sozinho.
Uma explosão de água e luz inundou a sala. Runas se ergueram do chão. Ecos ancestrais gritavam em idiomas que o gelo traduziu em sua pele.
Ele viu mapas...
Fragmentos de glifos…
E um símbolo, antigo e esquecido: uma lâmina envolta em coral negro — o selo dos Arcanos de Mar Profundo.
Jean tocou a imagem, e tudo cessou.
Quando retornou a Sagittaria, semanas depois, deixou apenas uma frase anotada no diário de Cristal:
“As marés têm donos.
E eles estão acordando.”
Partiu na mesma noite. Nenhum guarda viu o portão se abrir.
Apenas gelo...
...escorrendo sob a lua.
(...)
Hoje, os pescadores do norte falam de um vulto encapuzado que caminha sobre a água. E em noites de céu limpo, pode-se ouvir um som estranho vindo do fundo do mar: Como se páginas virassem... sob as ondas.