Durante a primeira noite do cerco de Tharok ao castelo de Sagittaria, os muros tremiam não apenas pelas investidas dos orcs, mas pelo silêncio que antecedia a investida final.
No alto da torre norte, entre sombras e tochas, Edinho, comandante da Guarda Real, observava o horizonte. Não com medo. Mas com peso.
A armadura dourada em seu peito brilhava como as dos demais soldados, mas por dentro, ele carregava cicatrizes mais profundas do que qualquer espada poderia deixar.
- Anos antes…
Edinho já havia vivido além das fronteiras de Sagittaria. Em sua juventude, lutou como mercenário nas terras de Valemor, uma região distante, onde conheceu Maelira — uma curandeira de olhos cor âmbar e voz como névoa. Eles viveram meses de paz em uma cabana à beira de um rio. Ele trocou sua espada por canções, por tempo, por amor.
Mas certa manhã, sem carta ou explicação, ele partiu.
Voltou a Sagittaria no mesmo dia em que o reino fora atacado por um dragão, e jurou nunca mais abandonar sua terra. Juntou-se ao Exército Dourado e rapidamente se tornou símbolo de disciplina e lealdade.
Mas nem mesmo a espada mais firme apaga a memória de uma escolha feita em silêncio.
- No presente…
Naquela noite, enquanto Cristal e Erik defendiam o portão leste com a flecha da luz e a espada celestial, Edinho segurava os muros do oeste, onde os guerreiros das sombras escalavam em silêncio.
Seu escudeiro, um jovem chamado Taen, perguntou:
“Senhor Edinho... você acha que sobrevivemos esta noite?”
Edinho apenas olhou o céu, e por um segundo, sua mente não estava ali. Estava à beira daquele rio em Valemor. Com ela.
“Não sei, garoto... Mas hoje, se cairmos, que seja protegendo quem amamos. Mesmo que nunca digamos isso em voz alta.”
De repente, o portão oeste explodiu. Os orcs avançaram como um enxame. Edinho tomou a frente, escudo em punho, espada na outra mão. Ele rugiu com uma fúria que vinha do arrependimento. Cada golpe que dava, cada inimigo que caía, era uma parte de si que ele perdoava.
Ele não lutava apenas por Sagittaria. Lutava por tudo que deixou para trás.
Horas depois, quando a alvorada finalmente rasgou a noite, os soldados do lado oeste ainda estavam vivos. Exaustos. Mas vivos.
Edinho caiu de joelhos, ofegante, sangrando, mas com o portão atrás dele intacto. Quando Taen perguntou se ele estava bem, Edinho apenas sorriu e respondeu:
“Não... mas estou inteiro. Pela primeira vez em muito tempo.”
Desde aquela noite, passou a se dizer que o portão oeste de Sagittaria nunca foi derrubado.
Não por magia. Não por milagre.
Mas porque um homem com um coração partido o segurava firme.
E esse homem se chamava Edinho.