Nas ruínas esquecidas de Thandor, onde o musgo cresce sobre o que um dia foi altar, ele ainda vive. Chamam-no de Mariel, o Guardião do Véu.
Outros o chamam de tolo, louco ou espectro que se recusa a morrer. Mas Cristal o conhecia por outro nome: oráculo silencioso.
Ninguém vai até Mariel por respostas fáceis. E ninguém volta com as mesmas perguntas.
Na alvorada de um ciclo sombrio, quando rumores sobre Tharok voltaram a se espalhar pelos confins de Varneth, a princesa deixou o castelo em silêncio, acompanhada apenas por Problemática, a arcana de olhos quietos e segredos inquietos.
A caminhada até Thandor levou três dias, e em todos eles, nenhuma palavra foi dita entre as duas. Mariel as aguardava sentado sobre um círculo esculpido na pedra. Suas vestes eram feitas de linho antigo, e seus olhos, leitosos como orvalho sobre mármore.
Mas mesmo cego, parecia ver além.
— Então vieram. A Flecha da Luz… e o Eclipse que falhou.
Problemática desviou o olhar. Cristal não.
— Queremos saber o que Tharok ainda procura — disse a princesa.
Mariel sorriu. Mas não foi um sorriso gentil.
— Ele não procura. Ele espera. Espera pelo que ainda falta em você.
— Falar em enigmas não vai nos proteger — rebateu Cristal.
— E falar a verdade vai?
No centro da câmara, ele abriu um compartimento de pedra.
Ali dentro, um objeto enrolado em tecido sagrado: um fragmento de flecha, esculpido com runas que não pertenciam à luz… nem à sombra.
— Esta é a metade esquecida da Flecha da Luz — disse ele.
— O lado que Astra ocultou. O lado que fere, que condena, que exige.
Cristal estendeu a mão, mas Mariel a segurou com força surpreendente.
— Para carregar isso, precisará abrir mão do que mais acredita.
— Que é?
Ele encarou a arcana que a acompanhava.
— A lealdade absoluta.
A flecha completa não obedece.
Ela decide.
De volta ao castelo, Cristal permaneceu em silêncio por dias. Não revelou o que vira, nem o que ouvira. Mas passou a carregar algo novo consigo: um tubo de metal escuro, trancado por selo mágico.
E em noites sem lua, dizem que Problemática visita o Salão da Lâmina e encosta a palma da mão sobre ele, como quem escuta.
Não se sabe o que Mariel realmente foi — homem, espírito, sentinela.
Mas na neblina de Thandor, onde sua voz ecoa entre as ruínas, um sussurro permanece:
“O mundo não será salvo por quem obedece.
Será salvo por quem ousa ouvir… o que ninguém quer escutar.”