Antes do reino ter reis. Antes de Tharok ser nome proibido. Antes da Flecha da Luz ser lenda…
…havia apenas um lago.
Um espelho calmo entre montanhas douradas, onde dois jovens sentavam lado a lado — sempre sobre a mesma pedra, como se o tempo ali escolhesse não passar.
Ela, de sangue nobre, criada entre os corredores frios de uma tia que chamava de tutora, mas que jamais lhe ensinou afeto.
Ele, um órfão sem brasão, forasteiro do norte, sobrevivente de uma invasão esquecida, carregando um nome que nunca contou inteiro a ninguém.
Erik e Cristal.
Foi à beira daquele lago que se viram pela primeira vez — como se o mundo tivesse segurado a respiração por um instante para que aquele encontro fosse possível.
Ela caçava. Ele patrulhava.
Mas naquele momento, ambos estavam apenas fugindo de seus próprios silêncios.
— O que você acha que acontece quando a gente morre? — ela perguntou uma vez, com os pés dentro d’água e o arco ainda nas costas.
Ele demorou a responder.
— Acho que a gente vira uma memória.
— E quem escolhe se a gente é lembrado? — insistiu.
Ele a olhou.
— Quem não teve coragem de nos esquecer.
A partir daquele dia, os encontros no lago se tornaram o refúgio dos dois. Falavam sobre o mundo, o medo, a solidão, e tudo o que ninguém ousava confessar dentro dos muros do castelo.
Erik ainda era apenas um soldado — treinado por um cavaleiro dourado que o acolheu quando chegou descalço a Sagittaria, fugindo do fogo que consumiu sua terra natal.
Cristal ainda era apenas uma nobre sem nome, ignorada em banquetes, observadora invisível nas sessões de voto de um governo que trocava de líderes mais rápido do que de bandeiras.
Mas juntos… começavam a se tornar algo mais.
A transformação veio no fogo. Numa patrulha nas montanhas ao sul, o exército dourado avistou chamas cortando a floresta. Erik, então já oficial, liderava a investida.
Foi lá que a viram: Cristal, sozinha diante de um dragão cuspidor de fogo, protegida apenas pelo instinto — e por um arco velho, retirado de uma caverna sagrada onde jamais devia ter entrado.
No auge da batalha, as chamas do dragão envolveram o arco. E quando ela o empunhou, uma luz saiu de seu peito. O símbolo de Sagittaria apareceu em sua armadura.
Todos viram.
A lenda nasceu ali.
Erik lutou ao lado dela. E nas brasas daquele dia, usou o ferro derretido para forjar a lâmina que, anos mais tarde, seria chamada Espada da Justiça.
Mas naquele momento…
Eles ainda eram apenas dois jovens que voltariam ao lago, de vez em quando, para falar sobre a morte. E sobre tudo aquilo que, aos olhos do mundo, ainda não estavam prontos para carregar.
Hoje, o lago ainda existe. Dizem que se você sentar na mesma pedra, poderá ouvir ecos de duas vozes falando baixinho. E uma delas ainda pergunta:
— Você acha que a gente vai ser lembrado?