Nas regiões esquecidas ao norte de Sagittaria, onde as ruínas de Varneth se erguem entre névoas eternas, a noite chegou sem aviso — e com ela, o silêncio que antecede as presenças que não respiram.
Mensageiros deixam de retornar de patrulhas na fronteira norte. Débi é convocada. Cristal, mesmo sem dizer diretamente, confia que só Débi conseguiria entrar e sair dali viva.
A princesa Cristal já sabia: há missões que não podem ser entregues a batalhões. Por isso, sem palavras, entregou a flecha de prata-luar a Débi.
Sem perguntas, Débi partiu.
Conhecida entre os povos das fronteiras como a Arqueira do Horizonte, Débi era mais do que uma guerreira. Era sombra entre sombras. Livre como o vento, leal como poucos, e silenciosa como um segredo bem guardado. Amiga da princesa desde os tempos em que ainda treinavam entre as árvores douradas, Débi agora caminhava sozinha, entre trilhas cobertas por folhas mortas e lembranças que insistiam em despertar.
Em seu peito, um único pensamento queimava baixo como brasa acesa:
Ele está bem?
Será que ainda espera?
Será que alguém, por fim, lhe contou sobre a guerra?
Mas ela não podia parar.
Ao alcançar as ruínas de Varneth, Débi não encontrou patrulheiros desaparecidos. Encontrou silêncio — e algo mais antigo que os muros: uma presença que se arrastava entre as pedras, como sombra viva, moldando-se à escuridão.
“Débi…”
"Você poderia ter sido feliz. Ter ficado.”
A criatura de sombra alimentava-se de memórias não vividas. Ela não tinha olhos, mas mostrava visões: uma casa pequena, risos na varanda, mãos calejadas apertando as dela.
Débi hesitou. Por um momento.
Então respirou fundo, ergueu o arco com firmeza e murmurou:
“Meu coração… tem dono.”
“Mas meu arco pertence a Sagittaria.”
Ao Débi atirar, a ponta da flecha prata-luar cortou o véu sombrio com um brilho frio e calmo. Ao atingir o núcleo da criatura, a luz reverberou pelas ruínas, dispersando a sombra como cinzas ao vento. As vozes cessaram.
Quando retornou à capital ao amanhecer, ninguém a viu chegar. Apenas um vigia notou, horas antes, uma figura encapuzada deixando uma flor branca sobre a cerca de uma casa simples, na margem do rio que corta o reino. Depois disso, ela partiu.
Alguns dizem que Débi nunca se detém. Que é feita de distância e dever. Mas a princesa Cristal sabe:
“Ela sempre volta. Não por nós. Mas por aquilo que ninguém mais vê.”
E assim, entre sombras e escolhas silenciosas, Débi selou mais uma lenda de Sagittaria. Uma que poucos ouvirão contar, mas que viverá em cada muralha protegida pela lealdade invisível.