Ninguém a chamava pelo nome.
E ninguém sabia se ela ainda o lembrava.
No Castelo Dourado, onde os títulos ecoam mais alto que as espadas, ela era conhecida apenas como Problemática — um apelido que nasceu da desconfiança, cresceu nos corredores e floresceu entre os camponeses que temem o que não entendem.
Ela era Arcana.
Não daquelas que encantam multidões com gestos e pirotecnias mas, da espécie rara que domina os elementos mágicos com a precisão de um bisturi e o silêncio de um veneno.
Cristal confiava nela como poucos. E isso, por si só, era perigoso.
Na terceira noite do ciclo sombrio, um mensageiro foi encontrado morto nos Jardins Suspensos. As cartas que ele carregava estavam intactas, seladas com o brasão real.
Mas o conteúdo… era traição.
Apenas três tiveram acesso àquelas informações: Cristal, General Tenaris e Problemática.
Ela não se defendeu, nem protestou. Pediu apenas um dia.
“Preciso do silêncio de vinte e quatro horas para descobrir quem sussurra mais alto do que o trono.”
Cristal aceitou.
Erik não confiava.
Enquanto o reino dormia, ela caminhou no castelo por salas esquecidas — corredores de pedra onde os quadros não têm olhos, mas veem tudo.
Desceu à Câmara da Lua Velada, onde estavam os arquivos selados por decreto da Rainha Lienn — a mesma que amaldiçoou o Conselho Velado décadas atrás.
Ali encontrou o que procurava: Registros falsificados, assinaturas duplicadas, mapas de movimentações militares com trajetos alterados.
Mas não era o conteúdo que a assustava.
Era a caligrafia no verso.
Pois era a de Cristal.
Ao descobrir isso, Problemática retornou ao salão superior sem chamar guardas e pediu uma audiência privada. Na penumbra da Sala dos Códigos, ela e a princesa ficaram frente a frente.
— Você escreveu isto? — perguntou ela, lançando os papéis sobre a mesa de ferro negro.
Cristal os encarou com o peso de quem já sabia o que seria revelado
— Eu escrevi, sim.
Mas não era traição. Era encenação. Uma armadilha. Uma pista falsa para atrair o traidor.
E funcionou.
Na última página dos registros, entre os rabiscos apagados, havia um nome reaparecendo sob a tinta mágica.
Tenaris.
No dia seguinte, o general caiu em desgraça. Não com alarde. Mas com silêncio. Seu nome foi retirado dos quadros da história. E sua ausência, jamais explicada.
No campo, os camponeses sussurraram:
“ — A Arcana sabe demais.”
“ — Um dia, ela trairá também.”
“ — Ela fala com trovões e escuta o que os vivos não dizem.”
Mas no castelo, Cristal disse apenas uma frase, diante de Erik:
“ — O reino precisa de espadas para proteger suas muralhas e de sombras para proteger sua verdade.“
E assim, Problemática permaneceu, observando, vigiando e esperando o próximo silêncio a ser quebrado.